Qual é a sua cor?

Pergunta que constava em ficha de seleção motivou revolta em jovem

Sergio Sestrem

Um bom currículo pode não ser o suficiente para conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Apesar de a discriminação quanto a sexo, raça e “aparência” ser proibida em lei, a cor da pele ainda continua sendo motivo de muita polêmica por esse item ainda constar em fichas de emprego.

A situação constrangedora foi vivida no início do mês pela universitária Luana Vilma da Rosa, 24 anos, há um ano desempregada. No dia 4 de novembro ela foi encaminhada pelo Serviço Nacional de Emprego (Sine) para seleção a uma vaga administrativa no Hospital Infantil de Joinville.

Confiante em seu currículo – uma vez que já havia trabalhado por dois anos em um museu da cidade na área de atendimento ao público – ao chegar no hospital a jovem passou por testes e teve de preencher outra ficha com a pergunta “qual a cor da sua pele?”. Intrigada com o questionamento, ela respondeu à questão pensativa sobre que relevância isso teria para demonstrar sua capacidade ao cargo.

“Fiz os testes logo cedo. Tinha certeza de que fui bem. Fui pra casa na expectativa de que seria chamada, mas na parte da tarde me ligaram dizendo que eu não estava apta, sendo que eu sou quase formada em História e minha qualificação era maior do que a pedida por eles”, reclama a jovem, que se diz preterida na escolha. “Por isso resolvi falar. Eu não vou mais passar por isso, nunca mais”, desabafa.

A jovem, de família classe média, solteira, também afirmou que essa é a segunda vez que enfrenta esse problema. “Também já recebi indicação para trabalhar em uma loja do centro, mas chegando lá a gerente olhou para mim e simplesmente me dispensou dizendo que eu “não tinha o perfil” exigido por eles. “Me senti muito mal. Foi horrível. Minha mãe chegou a chorar”, afirma Luana.

Por outro lado, a direção do Hospital Infantil negou que o item cor de pele seja utilizado como critério de seleção de candidato. Segundo o diretor executivo Ademar Marcelo Soares, “essa informação é usada apenas para fornecer informações ao IBGE”.

Mulheres negras têm mais dificuldades de encontrar emprego

Polêmicas à parte, o fato é que o caso de Luana Vilma da Rosa é o retrato do que acontece com a maioria das mulheres negras no Brasil, que enfrentam maiores dificuldades de encontrar emprego. A taxa de desemprego entre homens e mulheres no mercado de trabalho é maior para as negras, que quando conseguem uma vaga, trabalham quase sempre sem carteira assinada, ganhando menos que outros segmentos, segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

A realidade de Joinville, como comprova Luana, não é diferente da nacional. Com uma população negra estimada em aproximadamente 50.000 pessoas, conta-se nos dedos o número de mulheres afro-descendentes trabalhando em shoppings e lojas centrais ou em funções de liderança em empresas, por exemplo. Qual seria o motivo para que a maioria delas ainda continue atuando em funções de limpeza ou produção? “Se fosse um cargo inferior eu tenho certeza que eu pegaria a vaga”, comenta a estudante.
Para a professora de História e ex-coordenadora do Grupo Consciência Negra, Maria da Consolação Pereira Osório, a falta de conscientização e senso de dignidade ainda fazem com que situações desse tipo aconteçam.

Docente da rede estadual de ensino há vários anos, Consolação afirma que enquanto não forem exigidos critérios mais rígidos que valorizem apenas o fator competência, os conflitos vão continuar aparecendo. “Temos um mito de que aqui no Brasil pelo fato de existir uma grande miscigenação, vivemos em uma democracia racial, mas não é bem assim”, explica. “Com o acesso do negro aos estudos, a tendência é aumentar os conflitos na disputa pelo mercado e trabalho, caso haja critérios de interpretação duvidosa. Os conflitos vão continuar acontecendo porque as pessoas querem ser tratadas com dignidade”, explica.

Para ela, as leis severas que punem a discriminação racial e o acesso à informação fizeram com que a sociedade tomasse conhecimento e passasse a repudiar o ato, mas não é somente lei que vai fazer com que a discriminação seja eliminada. “Até alguns anos atrás, o negro era discriminado e deixava tudo por isso mesmo. Agora a realidade é outra e isso não é mais aceito”.

A professora já sentiu na pele a discriminação sofrida no comércio da cidade. “Eu entrei na loja, fui para comprar algo. Fiquei esperando por minutos para ser atendida. Depois de mim entraram outros clientes que prontamente foram atendidos. Uma outra cliente percebeu o fato e antes que o vendedor viesse atendê-la pediu para que eu fosse atendida na sua frente”, lembra. “Fiquei indignada. Na hora reclamei para o gerente, que se desculpou. Cumpri meu papel de cidadã”, lembra. “Em Joinville, o negro continua invisível. Você entra em uma loja e o pessoal não te vê. Para eles, você não é cliente”, afirma.

“Somente a educação é o caminho. Porém, caso sejam realmente comprovadas situações desse tipo elas devem ser denunciadas. Temos que ter a dignidade. Todo o ser humano tem que se sentir afrontado com esse tipo de coisa”, sustenta Consolação.
Para juristas, as razões da discriminação nem sempre são perceptíveis à primeira vista, pois trazem oculto um componente cultural muito forte e enraizado. A sociedade ainda costuma admitir certas práticas como normais e inofensivas, sem perceber que resultam em preconceito e discriminação.

Passados 120 anos da abolição da escravatura, os resquícios de preconceito racial diminuíram, mas ainda não foram eliminados, segundo Luana. Há menos de quarenta anos era comum encontrar anúncios de emprego em Joinville pra lá de discriminatórios, como lembra Normélio da Costa, 89 anos. “Tinha placas que diziam: Contrata-se, mas não admite-se negro”, lembra o aposentado que passou por dificuldades. A partir de 1995, a lei n. 9029 proibiu a prática discriminatória para o acesso ao emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

“Na maioria das vezes, as empresas agem por puro desconhecimento, mas a realidade é que quesitos como estes jamais deveriam aparecer em processos de seleção”. É o que afirma a promotora Rosemary Machado Silva, da 15ª Promotoria de Justiça e que atua na área da Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Fundações em Joinville.

“Temos situações em que os casos são comprovados e investigados a fundo. Vou recomendar aos diretores do hospital para que excluam esses itens para que este problema não volte a acontecer”, afirma a promotora.

A lei proíbe qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

As fotos exigidas em processos de seleção também geram polêmica. A procuradora ensina que “os critérios admissionais devem ser objetivos, solicitando o currículo, certificação de formação, aplicar testes, tudo feito de forma transparente e documentada”, explica.

Qualquer pessoa que estiver participando de um processo de seleção no qual são exigidos documentos não previstos na lei, ela pode fazer uma denúncia em uma Comissão Regional de Igualdade e Opotunidades de Gênero, Raça, Etnia e Pessoas com Deficiência e Combate à Discriminação. Estas unidades estão presentes nas Superintendências Regional de Trabalho e Emprego de todo o Brasil.

Hospital tenta se explicar; estudante não se convence

A diretoria do hospital também afirmou que não há distinção de sexo, raça ou qualquer outro quesito na hora de escolher um funcionário. “Aqui trabalham profissionais de vários perfis, sem qualquer tipo de distinção. O que pode ter acontecido é ela não ter sido aprovada em uma das etapas de seleção com as psicólogas. O que levamos em consideração é apenas o criterio técnico”, justificou o diretor técnico.

Informada de que o item jamais seria utilizado para critério de seleção, Luana não se convenceu da justificativa apresentada pela direção do hospital. “Para que existe esta pergunta antes? Por que não fazem a pergunta depois?”, interroga-se. “Se a pergunta esta lá é porque pode servir de critério de classificação e se isso acontecer é ilegal, afirma a jovem”, conclui.

4 comentários:

Unknown disse...

Esta moça deve ter a alta-estima muito baixa proveniente de outras situações vividas. Tenho uma amiga que trabalha no Hospital Infantil e com ela trabalham vários colegas afro-descendentes. Por acaso lhe ocorreu, jornalista Sergio Sestrem, entrevistar alguns desses funcionários para saber se em algum momento se sentiram descriminados? Certamente não né? Isso poderia ofuscar o tom sensacionalista que preferiu dar à sua matéria. Rose G. de Borba

iza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luana disse...

Rose eu sou a Luana Vilma da Rosa e entrevistada, eu não tenho a auto-estima baixa pelo contrário eu só fiz o que muitos negros de Joinville não fizeram expus minha situação.
Claro pra você deve ser muito fácil tecer comentários desse tipo pois, você nunca sentiu nenhum tipo de preconceito, e a matéria não foi sensacionalista só retratou a verdade que pessoas como você gostam de esconder.
Luana vilma da Rosa

Unknown disse...

Sabias palavras da diretora na entrevista, tanto é que existem vários funcionários afro-descendentes / negros, inclusive chefes de setores, diga-se de passagem. Agora se realmente estão lá é porque tem capacidade para exercer o cargo e que o hospital nos os discrimina, provando que basta ser capaz para conquistar seu lugar e não jogar a culpa de não ser selecionada na questão racial.